24.5.06

Calma! Estamos quase lá!

Um estudo revela que uma larga maioria dos alunos da universidade de Coimbra (não sei se fica bem extrapolar para o universo do ensino universitário), concorda com a aplicação da praxe violenta. Eu também já passei por essa fase, há muito tempo. E, confesso, que estou arrependido! Porém, consegui perceber que a praxe não faz sentido, no dia que reparei que a "velha máxima hoje faço eu, amanhã fazes tu" era aqui aplicada com um rigor milimétrico. Isto fez-me pensar que por esse caminho voltariamos a andar de quatro patas em poucas gerações. Pior, reparei que haviam colegas que dividiam o ano lectivo entre o periodo das praxes e o da semana académica. Porquê, não percebo! Um ano ainda se admite, agora existirem grunhos que a cada ano se tornam mais assanhados. Não compreendo!
Porque será que a nossa sociedade tende a agarrar com força todos os indicadores de miséria humana e subdesenvolvimento? Violência, caos e circo!
A violência, é típica de situações de pobreza social em que os recursos passam a ser disputados pela violência ou a "xico espertisse". Um exemplo simples, se poderes fazer a cadeira a cabular não te vais esforçar a estudar. Se um professor só precisa de gastar dez horas para uma cadeira, nem que para isso tenha que encurtar o programa o dar a matéria pela rama, não vai gastar mais.
Descartando a crise financeira como responsavel por tal fenómeno, apenas consigo obter explicação se considerar outro tipo de pobreza: educacional e cultural!
Nós portugueses, somos filhos e uma geração que aceitou engrossar e viver nos subúrbios urbanos em troca de um emprego para a vida. Em resultado, o cidadão comum aceitou a acomodação e perdeu o interesse no exercício da cidadania. Por exemplo, relegou para o estado o futuro dos seus filhos. Ou seja, aceitou que este negasse aos seus filhos, aquilo que já antes lhe havia negado: acesso a um sistema educacional de qualidade. Meteu a cabeça na areia, e ficou à espera que os filhos terminem a sua carreira de discentes com um canudo. Dispõe-se a aguentar todo o tipo de sacrificios para que a prol consiga o canudo (aluga casa, paga a carta de condução, por vezes, muitas até compra carro). No entanto, não se interessa como os seus obtiveram o canudo, nem se tem vocação para tal. O que interessa é o papel a dizer Dr., Eng., ou lá o que seja. O que interessa é o título, não o conteúdo!
E as universidades, grandes centros do saber, acabadinhas de terminar o saneamento dos velhos do regime e infestadas pela malta do pós 25 de Abril, lideradas pelos senhores das RGAs e das manifs, souberam estar à altura da demanda. Aumentaram o número e a variedade de cursos, dando-lhes em alguns casos, nomes que só para os entender seria necessário outro curso. Formou Engs. e Drs. como quem vende pão num hipermercado. Criou canudos de todos os tamanhos e feitios, para todos os gostos, cabeças e bolsas. Foi correspondida pelo aumento da procura, em resposta voltaram a aumentar a oferta. Contrataram mais docentes, aumentou-se a consaguinidade nas instituições, abriram-se mais universidades (públicas e privadas) e promoveram-se os politécnicos a universidades.
Isto com uma única preocupação: saber se os licenciados do curso tal iam ser reconhecidos pelos seus pares. Para isso, toca a incentivar as ordens profissionais a serem mais generosas. Meteu os seus docentes com vocação para ave canora, na politica e nos orgãos administrativos do estado. Prestou apenas atenção aos curricula dos cursos não à carga de conhecimentos. Aqueles que gostam ou se safam bem nas ciências exactas (Matemática, Fisica), passam a ser "engenheros", os outros passam a ser "dotoris". A fórmula deste processo é bastante simples: mais matemáticas no primeiro e segundo ano do curso = Engenheiro. O resto depois se vê! E esse resto, é, por exemplo, a auscultação do mercado de trabalho e a articulação com este. É o incentivo ao mérito dos alunos e à sua capacidade criadora, e a inovação das técnicas de ensino (menos aulas, mais trabalhos e menos marranço). Continua a usar o velho esquema do tão mal afamado antigo regime: as cadeiras dividem-se em teóricas, teórico-práticas e práticas, mais uns trabalhinhos de grupo e um exame e é tudo! Nos casos em que a avaliação apenas por exame se revela demasiado "agreste". Divide-se a matéria em duas frequências e só quem não se safar é que vai a exame. Entretanto a UE, preocupada com o estado das coisas no nosso país, começa a falar em ciência e investigação cientifica. Porra! Isto implica mais chatices para os docentes que já tem de preparar, ministrar aulas e dar notas. Mas a UE manda dinheiro fresquinho, paga tudo! Assim a musica era outra. Havia que dar resposta a isto. Então criam-se mais mestrados, aumentam-se o numero de bolsas de doutoramento. Mas tudo isto usando a mesma fórmula das licenciaturas: muitos e para todos os gostos. Surgem as primeiras equipas de investigação científica, sempre chefiadas por um muy nobre docente de qualquer instituição, arranja-se um par de bolseiros pagos pela FCT, apresenta-se um projecto e arranjam-se uns trocos. Entretanto, encurtam-se as férias grandes uma semana e vai-se ao congresso internacional sobre o efeito do poejo na açorda alentejana, lá para os lados do equador. Tudo pago! É vê-los aos magotes num qualquer aeroporto com rolo de um metro debaixo do braço com uma etiqueta dizendo frágil. Os congressos são muito produtivos. Basta pregar o poster e montar-lhe guarda, e aparecerá um Americano, Alemão ou Japonês, interessado em trocar umas amostras de Portugal. Atenção só amostras, nada de trabalho ou ideias, e claro, o nome em todos as publicações científicas. Depois, é só esperar que os bolseiros e os tansos que concordaram em trocar amostras por artigos científicos, façam o trabalho. No próximo concurso para catedrático já estão aptos para concorrer. Chegando lá é a cereja em cima do bolo. Já nem se precisa de dar aulas. Basta dizer "no meu tempo é que era difícil! Agora é tudo fácil."
Apenas precisam de fazer umas visitas a outras universidades no estrangeiro e ter a mente aberta à criação de mais cursos de mestrado e doutoramento. Quanto aos estudantes, que cada vez são menos, basta mantê-los ocupados e dar-lhe algum circo. Queima das fitas e praxe, é quanto baste para que os tipos se mantenham entretidos. Quanto às queixas dos alunos, só chegam quando entram no mercado de trabalho e não conseguem arranjar emprego. Descobrem que afinal o curso que tiraram foi muito limitante. Mas esse não é um problema da universidade. Os gajos já acabaram os seus cursos e já não são estudantes, logo a universidade não pode ajudar. Mas sempre se pode recomendar um mestrado ou outro. Sempre alarga o CV. Termino, colocando a seguinte questão:
Quem são os grunhos do sistema: os alunos praxistas ou os docentes calões?

Atenção: Prevejo que na resposta a esta pergunta esteja o tal choque tecnológico, que Portugal tanto espera!

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